A indelével imagem de Winston Churchill é aquela de um rabugento mastigador de charutos, carrancudo, por trás dos óculos, com feições retorcidas por anos de guerra, estresse e vinho. Mas até mesmo Churchill não foi sempre assim. Houve um tempo em que o jovem soldado de cara oval e cheia viajou até os confins do Império Britânico. Lá, no Noroeste da Índia e no Sudão, na virada do século XX, ele entrou em contato com a religião que sua família temia que iria consumi-lo.

Em 1907, Lady Gwendoline Bertie, que viria a se casar com o irmão de Churchill, Jack, escreveu uma apaixonada nota ao futuro primeiro-ministro. Ela estava preocupada com o flerte de Churchill com o que ela chamou de “Oriente”. “Por favor, não se converta ao Islã,” ela lhe escreveu numa carta recentemente descoberta por um historiador de Cambridge e publicada pela imprensa britânica no Domingo. “Eu notei sua tendência e disposição de [se] ‘orientalizar’... Se entrares em contato com o Islã, sua conversão seja efetivada com maior facilidade que poderias supor, chamado do sangue, não sabeis o que quero dizer, lute contra isso.”

A carta joga uma nova luz sobre uma das personalidades mais proeminentes do século XX – um homem que defendeu o direito da Grã-Bretanha de governar largas porções do mundo islâmico e tomou um papel importante na demarcação das bordas que definem o Oriente Médio de hoje em dia. Graças em grande parte ao trabalho do historiador Warren Dockter, um retrato mais diverso dos primevos anos de Churchill emergiu, retratando um tempo no qual as predileções religiosas do futuro líder eram fluídas.

Ele regularmente jogava polo com muçulmanos, relata Dockter, que está trabalhando num futuro livro chamado “Winston Churchill e o Mundo Islâmico”. Churchill, que às vezes desejava ser um muçulmano, certa vez disse em 1897 que queria lutar pelo Império Otomano.

Carta enviada por Lady Gwendoline Bertie na qual pedia que Churchill não se tornasse muçulmano

No mesmo ano em que a esposa de seu irmão lhe escreveu aquela carta, ele mesmo escreveu uma, elogiando aquele Império. “Você vai me achar um paxá”, escreveu Churchill à ativista britânica Constance Lytton, referindo-se a um posto de distinção do Império Otomano. "Quem me dera ser”.

Nessa época, ele também esteve em contato próximo com Wilfrid S. Blunt, um poeta e ardente defensor de causas muçulmanas, e Dockter descobriu que eles às vezes vestiam as roupas do mundo árabe juntos. “Blunt e Churchill encontraram-se várias vezes, primeiramente para discutir a iminente biografia do pai do jovem Winston, mas depois, simplesmente como amigos.” Escreveu Dockter no Journal of Historical Biography. “Em algumas ocasiões, eles vestiam em vestes árabes, uma tradição que Blunt e Churchill carregariam até o eclipse de sua amizade.”

Ainda, apesar da admiração de Churchill pela história e pela expansão territorial e proeza militar do Império Otomano, Dockter pontua que as preocupações da família eram infundadas. “Churchill nunca sériamente considerou converter-se” o historiador contou ao Independent. “Ele era mais ou menos um ateu à época, de qualquer forma. Ele tinha, todavia, uma fascinação pela cultura islâmica que era comum entre os vitorianos.”

E então o que dizer sobre os encontros à caráter que ele e [seu] amigo Blunt tinham? “Apesar de ele e Churchill serem amigos e vestirem-se em roupas árabe para as festas excêntricas de Blunt, eles raramente concordavam entre si,” disse Dockter.

Por exemplo, Churchill criticou o Islã num relato sobre o Sudão, “A Guerra do Rio”. “Muçulmanos individuais mostram excelentes qualidades, mas a influência da religião paralisa o desenvolvimento social daqueles que a seguem,” observou Churchill. “Não há força retrógrada mais poderosa no mundo. Longe de ser moribundo, o ‘Maometismo’ é uma fé militante e proselitista.”

Livre dos “preconceitos orientalistas” que aprisionaram muitos de seus contemporâneos, Dockter escreveu que Churchill tinha uma “compreensão diferenciada dos limites do Império Britânico”. Embora o mapa que ele ajudou a desenhar talvez não fosse a melhor representação desse entendimento, admitiu Dockter, que disse ao Telegraph que essas fronteiras deram origem ao “Oriente Médio que conhecemos, com verrugas e tudo”.

Fonte: washingtonpost.com